sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Velho Baralho

No dia 24 de dezembro, véspera de Natal, eu decidi passá-lo sozinho em casa. Eu estava no computador quando minha mãe apareceu com um convite de última hora, dizendo-me que haveria festa na casa de uma tia e que todos estariam lá. Minha família é grande, logo, quando eu digo "todos", é porque eu estou falando de muita gente mesmo!

Família tradicional e, no nordeste brasileiro, quando você diz tradicional, geralmente se diz "família católica", ou seja, família grande e tradicional é sinônimo de missas, conservadorismo e muito papo chato. Sim, eu amo a minha família, mas de uns meses para cá eu simplesmente os evito. Não me sinto melhor que eles (quem me conhece sabe da minha humildade), não os acho chatos (quem me conhece sabe da minha paciência). O que acontece é que eu não me sinto mais a vontade com eles (quem me conhece de verdade sabe o motivo), e, a cada dia, ou melhor, a cada reunião familiar que passa, me sinto mais distante deles.

Aquela de quem eu deveria me sentir mais próximo é de quem eu sinto que estou mais distante: minha mãe. Ela insistiu que eu fosse, mas eu precisava passar esse Natal sozinho. Eu precisava! Ela não gostou muito disso, pois eu sou filho único e os meus pais se separaram quando eu tinha 6 anos... então eu sou, de fato, a única família que ela tem e vice e versa.

Quando ela partiu para a festa, fiquei só em casa e, sinceramente, aquilo para mim já estava sendo o melhor Natal que eu já tive. Sozinho em casa.

Não temos máquina de lavar, lavei toda a minha roupa suja acumulada de uma semana na mão. Mas ainda era o meu melhor Natal. Não tinha peru ou rabanada na minha mesa, fiz miojo e bebi refrigerante. Mas ainda era o meu melhor Natal. Há mais ou menos 6 meses eu não limpava o meu quarto, devido ao tempo, pois faço duas faculdades (aliás essa é a minha desculpa FUNDAMENTADA para tudo na minha vida), quem faz Design de Interiores ou Jornalismo comigo sabe o quanto acumulamos papeis esse ano... E todas essas xerox, trabalhos, rascunhos, croquis estavam espalhados no meu quarto há 6 meses. Então, além da roupa suja e do miojo, eu também arrumei o meu quarto enquanto a minha família comemorava a data santa. Mas ainda era o meu melhor natal.

Era, até eu começar a arrumar os papeis.

Apesar de há 6 meses eu não arrumá-los, ali (ou melhor, aqui) estava 1 ano inteiro de papeis acumulados. Foi triste, pois muito antes daquele momento, eu já dava o ano de 2009 o título de "O pior ano da minha vida". Minha mãe foi diagnosticada com câncer de mama no inicio do ano. Até então morávamos só nós dois. Eu entrava no 3º período de Jornalismo e 2º de Design. Após a cirurgia, minha mãe passou um tempo morando com uns parentes, pois ela precisava de muitos cuidados e de uma casa LIMPA. Coisas que um estudante de duas faculdades não poderia fornecer. Saio de casa às 7 horas (ou pelo menos eu tento) e chego por volta das 20. Não saberia precisar quantos metros quadrados a minha casa tem, mas aqui há 4 quartos, 2 banheiros, garagem, jardim, área, sala de estar, de jantar, cozinha e um quintal consideravelmente grande.

Não consegui dar conta de morar sozinho, faxinar toda a casa, lavar os banheiros, as minhas roupas, cozinhar, limpar o jardim e garagem, arrumar o meu e o quarto dela (os outros dois que se danassem!), lavar roupa de cama, ler os livros e textos das disciplinas das duas faculdades, fazer os trabalhos escritos das duas faculdades, fazer os trabalhos "não escritos" das duas faculdades, criar, desenhar, colorir, conceituar, estudar espaço, lidar com colegas insensíveis, lidar com professores insensíveis (leia-se "professorA"), entregar os trabalhos nos prazos determinados, fazer maquetes, gastar dinheiro com xerox, impressões em p&b e coloridas, com materiais para maquetes...lidar com a ausência e com a doença da minha mãe. E tudo isso eu quis passar sozinho. Eu não só fui obrigado a passar sozinho, mas eu quis passar sozinho. E desde então tudo tem sido difícil, pois tudo foi aumentando.

Não sou de fazer drama. Não mesmo. Se eu fosse eu estaria chorando pelos corredores e me lamentando a cada 5 minutos. Eu decidi ser o "homenzinho da casa". Resultado: me tornei a pessoa mais insensível do mundo.

Mas voltando aos papeis. Entre eles eu percebi o que foi esse 2009. Eu não dei conta dele, mas estou de férias e me dou ao luxo de esperar o almoço ser feito por outra pessoa porque eu consegui empurrá-lo com a barriga (que eu não tenho, pois sou um magricelo). Entre os papeis eu percebi que poderia ter escrito trabalhos melhores, que eu poderia ter lido com mais atenção alguns textos, alguns eu só queria ter pelo menos lido. Os meus rabiscos, os croquis... eu quase chorei ao vê-los. Tantas idéias que eu poderia ter colocado em prática e não pude. E na tarefa de colocar os papeis em ordem, achei um onde eu rabisquei isso:

Leia todas as cartas na mesa
Os quatro naipes estão contra você

Tomei um susto quando li. Parecia um dedo apontado para a minha cara e eu poderia jurar que alguém estava dizendo "Se fode aí, otário!". Aquelas palavras escritas em caneta Bic azul eram um fragmento de uma possível poesia que eu postaria no blog, que aliás foi outra coisa que eu levei com a barriga. Mas eu não concluí a poesia. Ou melhor, eu esqueci que tinha algo para concluir e acabei perdendo o papel na bagunça do meu quarto.

Quando o quarto estava limpo, enfim, tomei banho na madrugada e fui assistir televisão. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA. Por que eu fiz isso se tudo o que a TV quer mostrar são pessoas bonitas e felizes? Ainda por cima era Natal. Hohoho?

Mesmo assim, a minha idéia de passar o Natal sozinho ainda estava ótima para mim. Mas não estava para a minha mãe, que chegou da festa magoada comigo e me fez perceber que eu era o responsável. E daí que eu não me sinto mais a vontade com a minha família? Tudo o que ela queria era que eu a desejasse Feliz Natal, que eu fosse a festa e cumprimentasse os meus familiares, que ela não fosse a única dos irmãos que não levou o seu filho à reunião familiar...

Tudo o que ela queria era um Natal como outro qualquer...

Só sei que o pior Natal do pior ano da minha vida está acabando e eu não tenho coragem nem mesmo de desejar a ela um Feliz Natal.

Sim, eu ainda não disse essas palavras a ela hoje e não pretendo dizer por falta de coragem. Eu sei que eu estou insensível, mas não dá. Só se o baralho adimitisse um outro naipe...