quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Desejo realizado

Foi durante a cabra-cega. Era um jogo de tato. Ganhava, porém, quem soubesse sentir o outro com outras partes do corpo que não fossem as mãos. O cheiro era de carne podre, mas isso ele sabia que partia dele o odor.

Quando finalmente pegou o seu adversário com a mão, sussurrou:
- Não fuja!

O outro poderia ter reivindicado, pois tocar com a mão era trapaça. Mas nada se comparava a voz aveludada do fedorento. Parecia sedutor. E era, afinal. Pois nada nessa vida é mais sedutor que a morte. Nem o sexo é mais sedutor que a morte. Durante uma trepada, tudo o que queremos é morrer numa gozada.

- Isso não é justo... - tentando se livrar.
- Então fuja. - zombou o trapaceiro.

Ainda sussurrava. Ele dançava tango com a língua no pescoço do outro. Isso era zombaria!

- Me diz o que fazer para que eu não vá contigo.
- Não chore nunca mais.
- Isso é possível? - duvidou.
- Você é tão idiota... Perguntou logo para mim? E é petulante também. Acha mesmo que se eu... Por que perguntou "para que eu não vá contigo"? Você não viria. Eu te levaria. Aliás, posso te levar agora mesmo.

Mas o refém nem ligou para as ameaças. Eram ameaças. Eram farinha no vento. Ele ainda estava bobo com a ideia de ser possível nunca chorar na vida. Seria um sonho realizado, imaginem isso!

Um sonho que se realizou, na verdade, pois ele não tinha mais vida. Ela havia sido tomada por um fedorento e ele agora poderia chorar a vontade. Estava ele morto, agora.