sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Esquinas

- Estou a ponto de fazer a coisa mais perigosa que já fiz!
- Não exagera...
- Não é exagero! - disse ele um pouco zangado.
- É claro que é. É perigoso para você, que é um medroso. Todo mundo no mundo faz isso.
- Não, nem todos no mundo.

Ele ainda estava em dúvida se vestia a camisa branca de listras cinzas ou a estampada. Mas a calça já estava definida. Uma xadrez.

A amiga dele estava a olhar os livros que ele tinha na estante do quarto.

- Você tem "A Mão e a Luva" do Machado? Caramba, você nunca me contou! - agora era ela quem estava zangada.
- Você também tem um monte de livros e eu nunca fiz essa ceninha... - disse ele desconsiderando a mudança de assunto que ela provocou - Olha, que camisa você prefere?
- É bom?
- Ângela!
- Ai, sim. A estampada, eu acho...
- Acha?
- Qualquer uma... Que saco! - balbuciou ela desinteressada - E esse Machado, é bom? Quer dizer, pergunta estúpida, é claro que é bom.
- Hum, não gostei muito não.
- Isso é uma blasfêmia, estamos falando do Machado!

Ele calçou os tênis, alisou a camisa no corpo e sorriu:
- Como estou? - perguntou ansioso.
- Visivelmente nervoso. - decretou ela acendendo um cigarro.
- Nossa...
- Ué, quer que eu minta?

Alguns passos tortos até o portão e mais dois cigarros depois, eles se despediram, indo cada um para um extremo. Ela pegaria o táxi e ele o ônibus. Poderiam eles ter ido juntos no carro, mas ela ainda precisava fazer uma coisa escondida no outro lado da cidade. Ele também iria fazer uma coisa escondida e, por muitos, considerada proibida. Mas eles sabiam o que o outro iria fazer, mas só eles...

O destino dela era terminar algo que nunca deveria ter começado e ele iria tentar começar algo que ela sempre quis que ele fizesse. Ela partia chorando e ele com uma dor de barriga nervosa. E durante toda a viagem ele pensava em como aquela roupa era inadequada, em como a idéia parecia absurda, que Ângela deveria ter ido junto.

Minutos depois, Ângela liga:
- Está chorando? - perguntou ele.
- Tudo acabou, Benjamin.
- Foi melhor...
- E você? Me fala... - disse ela fingindo graciosamente um entusiasmo.
- Oh, minha querida... Bem, aqui parece que tudo começa.
- É por isso que te amo: somos opostos até mesmo em um dia de sol.
- É - riu ele um pouco - e nunca ninguém acreditaria que nos conhecemos em um dia de chuva.